Pirâmides não são novas no Brasil, mas golpistas viram nas criptomoedas um produto perfeito para atrair a atenção de potenciais vítimas.
Durante a última alta do bitcoin, em 2019, o Brasil virou um celeiro de golpes com criptomoedas, que ainda reverberam até hoje. Empresas de criptos viraram destaque em meio a acusações de fraude, investigações e bilhões de reais em perdas de supostas vítimas.
Parte do sucesso das pirâmides financeiras tem a ver com a maneira com que o golpe se distribui, normalmente entre pessoas do círculo de confiança das primeiras pessoas que entram no esquema, e logo são responsáveis por espalhar a rede, na busca por lucros na forma de comissões.
Pirâmides não são novas no Brasil, mas golpistas viram nas criptomoedas um produto perfeito para atrair a atenção de potenciais vítimas. Se, em casos notórios, como o do Boi Gordo, esquema que consistia em vender fatias da propriedade de gado que não existia, nas fraudes envolvendo criptomoedas o ativo já é, por natureza, virtual.
O procurador Thiago Bueno, membro do grupo de combate a crimes virtuais do Ministério Público Federal (MPF), considera que a internet potencializa um crime que já existia há décadas, facilitando ofensivas que tiram proveito tanto do desconhecimento da população sobre criptoativos quanto do caráter totalmente virtual do produto da vez.
“[É preciso] Buscar conhecer quem está fazendo essa oferta, com quem o consumidor está lidando, para que [o investimento] seja feito de uma forma mais maturada”, recomenda o membro do MPF, ressaltando que o investidor também deve ficar longe de promessas de altos lucros em pouco tempo. “Esse tipo de oferta também pode ser um indicativo de que se trata de um golpe”, alerta.
Além disso, o investidor deve saber diferenciar um sistema de marketing multinível legítimo de uma possível pirâmide. A chave está na dependência de novos entrantes: se o faturamento do negócio só acontece porque novas pessoas estão sempre aderindo, há um forte sinal de fraude. O comércio em rede, portanto, deve ser apenas acessório e, principalmente, como meio de distribuir comissões sobre a venda de produtos –ou seja, não deve servir para dividir o dinheiro de quem paga para entrar na rede.
O MPF também recomenda não confiar em negócios que só revelam detalhes, como os números de faturamento, mediante um pagamento antecipado. A estratégia serviria para esconder o golpe de curiosos, já que apenas quem está diretamente envolvido poderia saber dos pormenores.
Pirâmides com criptomoedas
No caso das criptomoedas, o alerta deve ficar ligado especificamente em casos de comercialização de “planos de investimento” com promessas de recompensas fixas. Ofertas do tipo “compre um pacote X para receber Y% ao mês de retorno” são fortes indicativos de golpe.
Recentemente, o cantor Gusttavo Lima divulgou em live na Internet o site de uma empresa que logo chamou atenção pela proposta: ao fazer um depósito em um dos planos ofertados, o usuário poderia obter até 400% de retorno sobre o investimento.
“Desconfie de retornos fixos e altos demais”, diz o advogado Ricardo Kassin, que já defendeu várias vítimas de esquemas ligados a criptomoedas. Ele reconhece que o mercado de criptomoedas pode, de fato, oferecer lucro muito alto, mas alerta que o risco cresce na mesma proporção.
Para reduzir as chances de cair em cilada, o especialista recomenda fazer uma varredura por informações públicas da empresa e dos sócios na Internet, em sites que vão do Reclame Aqui aos da Receita Federal e da Junta Comercial do estado. Com os dados dos sócios em mãos, o investidor pode procurar outras empresas no nome das mesmas pessoas e checar a possível existência de reclamações de clientes ou processos transitados em julgado.
Segundo Kassin, seus clientes poderiam não ter investido nos negócios supostamente fraudulentos se tivessem tomado algumas precauções.
O problema é maior com empresas sem presença no Brasil. Além da maior dificuldade para ingressar com ação judicial em caso de prejuízo, o consumidor, em geral, tem mais dificuldades para descobrir tudo sobre o negócio.
O advogado explica que, em casos de empresas estrangeiras, a possibilidade de prevenção do investidor diminui muito. “Eles podem fazer um site lindo, com depoimentos falando bem, matérias pagas, grupo no Facebook com 500 pessoas falando que [o negócio] é super seguro”, conta. Nesses casos, o risco geralmente não compensa o investimento, especialmente se o valor pedido for alto demais.
As pirâmides mais famosas do Brasil ruíram em 2019, mas o procurador Thiago Bueno teme por uma nova onda de esquemas parecidos em 2021. Para ele, a queda do mercado de criptomoedas no mês de maio pode ajudar a revelar empresas fraudulentas que não investiam em criptomoedas e estavam apenas desviando recursos de clientes que desejavam surfar a alta e, por isso, não sacavam os supostos lucros.
“Houve [em 2019] uma arregimentação de valores dentro desse esquema de pirâmides quando o valor do criptoativo estava alto. Depois, quando caiu, as pessoas descobriram que estavam na condição de vítima, porque quando foram buscar o dinheiro que elas investiram, não tinham mais. Pode ser que esse comportamento se repita agora também”.